quarta-feira, 22 de agosto de 2007

BAIXADA URGENTE

CAXIAS, A BAHIA SEM 365 IGREJAS

“É uma nova Bahia. Faltam-lhe as trezentas e sessenta e cinco igrejas. Mas o resto Caxias tem: um populário rico e maravilhoso...
Não tem biblioteca, não tem teatro, não tem uma organização cultural, porém já se tornou uma cidade que atrai turistas e estudiosos, pela beleza do seu folclore. Nesta cidade sem luz e sem calçamento, estiveram nomes internacionais como Barrault, Massine, Sablon, Gianini e diversos estudiosos americanos, ingleses, franceses, russos, checos, poloneses, chilenos, haitianos, cubanos e até brasileiros como Antonio Maria, Aníbal Machado, Vanja Orico, Bruno Giorgi, Di Cavalcanti e outros.

Todos esses elementos cultos vieram à Caxias para ver as suas folias de reis, no ciclo natalino, os seus calangos no ciclo junino, os seus sambas no ciclo carnavalesco, e as suas macumbas e candomblés espalhados pela cidade. É uma beleza o folclore caxiense que faz toda essa gente enfrentar a lama, os buracos, a escuridão e até o perigo de assalto.
Marcel Gauthrort, enfrentando uma série de obstáculos, fotografou em colorido as folias de reis e vai expor em Paris o seu maravilhoso trabalho, e assim Caxias será apresentada à Cidade Luz. Edson Carneiro estudou, gravou diversas danças caxienses e sobre elas fez conferências pelo Brasil, o que muito valoriza nossa cidade.
Em Praga encontrei um cidadão que possuía diversas fotografias sobre o folclore caxiense. Através de “Magia Verde”, filme premiado no festival de Cannes, aparece uma cena filmada num terreno baldio de Gramacho. Caxias é um centro turístico, precisando somente de uma regulamentação no seu potencial de turismo, que é o seu folclore.
Agora pergunto: por que a prefeitura de Caxias não organiza um Departamento de Turismo, que além de elevar o nome desta cidade, criaria uma nova fonte de renda para os cofres municipais?
Barbosa Leite poderá ser o pintor de Caxias, assim como Carybé é o moderno Debret da Bahia. E aos jovens do Grupo cabe estudar e divulgar o folclore desta nova Bahia”


● Em junho de 1957, o jornal “Grupo”, editado em Duque de Caxias, publicou esta crônica, assinada por Solano Trindade onde o poeta de Recife evocava as tradições desta cidade e sua contribuição à cultura popular.
● Se vivo fosse, o pernambucano Solano Trindade teria completado 99 anos no ultimo dia 24 de julho. Depois de rodar pelo Brasil, o poeta, acompanhado da mulher, Maria Margarida, e dos filhos, veio dar com os costados em Duque de Caxias, onde escreveu e publicou (1947) um dos seus mais famosos poemas, “O Trem Sujo da Leopoldina”. Por esse motivo, ele foi preso, acusado de incitar o povo contra o Governo, pois afirmava, em seus versos e de forma repetitiva, o que hoje é bordão de Lula; TEM GENTE COM FOME.
● Curiosamente, em 1975 o poema voltou a ser proibido pela Censura, ao ser musicado para ser incluido num disco do ‘Secos e Molhados”, que gravaram uma outra poesia de Solano Trindade, “Mulher Barriguda”, onde a Censura, de uma forma curiosa, exigiu a retida de uma virgula. A estrofe dizia MULHER BARRIGUDA, NÃO. Pois a Dona Censura, sempre obtusa, mudou o sentido do poema.
● No dia 6 de julho último, ao dar posse aos membros do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do Negro, o Prefeito Washington Reis disse que todos poderiam contar com ele em parcerias para o cumprimento da Lei 10.639, que inclui no currículo escolar o estudo da História e da Cultura Afro-Brasileira. No conteúdo estão a história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política dentro da História do Brasil
● A professora Dalva Lazaroni, Secretária de Cultura e integrante do Conselho, estava presente, mas não disse uma só palavra justificando a exclusão da cerimônia do nome de Solano Trindade. Em 1991, porém, a Editora CODPOE editou um livro de Dalva Lazaroni intitulado: “QUILOMBOS E TIRADENTES NA BAIXADA FLUMINENSE”, inserindo em sua capa o complemento do título: “UMA HOMENAGEM A SOLANO TRINDADE”, acompanhado da fotografia do poeta, numa clara demonstração de admiração pelo homenageado.
● Para quem chegou agora à cidade, Solano Trindade, além de poeta, ator e músico, foi o criador do Teatro Popular Brasileiro, o primeiro do País e incentivar a participação do cidadão comum, em especial os negros, na arte dramática. Ele também criou o Teatro Folclórico Fluminense, uma escola de teatro que funcionava num velho sobrado da Av. Plínio Casado, esquina com a rua Estevão de Giácomo, onde hoje existe o que restou de um supermercado.
● Em 1944, Solano Trindade lançou, no auditório da U. N. E., a Orquestra Afro-Brasileira, com o maestro Abigail Moura
● Solano Trindade também formou um grupo que viajou pelos EUA e Europa, sendo o primeiro a mostrar o negro no palco como astro principal. Foi ele também quem levou ao palco a peça de seu amigo e poeta Vinícius de Moraes, “Orfeu da Conceição”, que, adaptado para o cinema, foi rebatizado como “Orfeu Negro” por questões mercadológicas. No teatro, o papel de “Orfeu” foi vivido por Haroldo Costa, que era seu aluno no Teatro Popular Brasileira e que, recentemente, remontou “Orfeu” no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
● Que motivos os líderes dos movimentos sociais, que dizem defender a negritude como Cultura e a criação de cotas raciais como forma de combater o preconceito, oferecem para banir Solano Trindade da nossa História?
● Em 15 de setembro de 2001, o jornalista Xico Sá publicou na Folha da São Paulo uma curiosa e apaixonada crônica, onde afirmava que Solano Trindade era o “pai” do “rapper”, que só se tornaria um fenômeno musical e comportamental 40 anos depois. Xico Sá lembra um dos poemas do poeta negro, em que ele utiliza a linguagem que hoje é comum entre os “rappers’ de S. Paulo, como nos seguintes versos: ”Que foi que fizeste mano/ Pra assim tanto falar?”, "(...) Subi para o morro, / Fiz sambas bonitos, / Conquistei as mulatas/ Bonitas de lá...”
● E o cronista afirma ainda que, “ao dedicar-se ao combate à intolerância, com uma obra que guarda as dores do panfleto, mas não esquece do lirismo devoto às mulheres, o poeta firmou-se, entre os militantes dos movimentos negros, como símbolo da resistência que se trava contra o “racismo cordial” do país. Nos últimos dois anos, o precursor dos “rappers”, que foi cineasta, pintor e teatrólogo, teve seus poemas relançados e o estilo do seu trabalho reproduzido por Organizações Não-Governamentais e centros culturais que prezam por sua memória”.
● Na cidade paulista de Embú,das Artes, para onde transferiu o Teatro Popular Brasileiro, e em Recife, sua cidade natal, os Governos locais e os movimentos sociais estão preparando diversos eventos para marcarem, em 24 de julho 2008, o centenário de Solano Trindade. E o que Duque de Caxias, que ele adotou como sua segunda cidade-berço, vai fazer por sua memória?
● Esse negro esquecido pela História e pelos historiadores, era visitado na poeirenta Duque de Caxias, recém emancipada de Nova Iguaçu, por figuras como Di Cavalcante, o compositor e jornalista Antônio Maria, a atriz Vanja Orico, consagrada no filme “O Cangaceiro”, vencedor do Festival de Cannes, o escritor Aníbal Machado e o escultor Bruno Giorgio, entre outros. Eles vinham também para conhecer nossos bairros, pobres e abandonados, mas celeiros de manifestações culturais afro-brasileiras, além do Teatro Folclórico Fluminense. Ele morreu pobre e esquecido numa clínica de Santa Tereza em 20 de fevereiro de 1974.

2 comentários:

CRISÁLIDAS AZUIS disse...

Prezado Alberto Marques... excelente teu blog. Me diga algo caro amigo e colega (sou professor de cinema aqui em Curitiba): aonde posso encontrar o filme Magia Verde? Abraços, Nelson (nelsonbucker@ufpr.br)

Conhecimento & Saúde disse...

Caro Alberto.
Quero parabenizar pelo seu blog.
Mas nao poderia de comentar sua afirmação que os Históriadores esqueceram Solano Trindade. Sou academico de História, e a mais de 10 anos fui aluno do Pré vestibular para negros e carentes do Núcleo Solano Trindade em Jardim Primavera, vários pesquisadores da FEUDUC e do Centro de Referencia e pesquisa desenvolvem trabalhos que tratam a obra de Solano. O Centro de Memória da Feuduc tem um acerto direcionado a obra dele. E o Conselho de defesa do Direito do Negro nao fez menção a Solano na posse com certeza porque entenderam que teria uma ocasião mais apropriada, pela Dalva, nao posso falar. Mas a prova é o Centenário que esta sendo organizado pelo Conselho e pela Biblioteca Comunitária Solano Trindade que existe desde 2001 no Cangulo, portanto bem antes da data que voce afirma ser o primeiro a levantar o debate sobre o centenário. Isso tudo é bom, pois cada vez mais pessoas lutam para que a vida e obra de Solano sejam reconhecidas em nossa cidade. Estou a disposição para qualquer esclarecimento. Tudo de bom e um abraco forte.